O que queremos com esta cena musical onde tanto colocamos nossas forças?
É, nem é questão de nostalgia, mas sim uma questão histórica. As pessoas que montaram bandas no começo do que chamamos de punk, hardcore, grind, sabiam que o mundo da cena musical era desprezível, competidor, elitista e mesquinho. Por isto criaram algo alternativo a tudo isto, um lugar onde as pessoas, de forma igualitária, pudessem ter suas bandas, gravar seus discos, organizarem seus próprios shows, festivais, turnês, criar vínculos e construir algo que fosse o oposto de toda aquela merda mainstream que existia. Era a música, a arte, nas mãos do povo e de forma horizontal, onde banda, publico e todos os demais, eram os mesmos e eram importantes.
Esta cena mainstream continua existindo, continua igual, se vendendo, corrompendo pessoas, se auto corrompendo, criando heróis e vendendo música como se vende tênis.
Mas este texto não é sobre isto, é sobre o outro lado, o lado que nos envolvemos anos atrás e que nos mantêm apaixonados ainda e fazendo tudo isso até hoje. Em muitas cidades pequenas, nos bairros das grandes capitais, ainda tem aquela pessoa que acredita que pode ter a sua banda, que carrega sua guitarra barata numa bag rasgada e se arma da sua música para encontrar vida e ferramentas para conseguir se expressar em meio a este mundo opressor. Que gasta o dinheiro do seu trabalho pra pagar o ensaio, pra pagar a condução pra ir para um show, pra comprar uma corda ou uma baqueta, mas volta inspirado e apaixonado por tudo que fez e construiu.
Sim, sabemos que muita coisa mudou, evoluiu, e tantas outras desculpas esfarrapadas que daremos para justificar nossas atitudes atuais. Sabemos que ter banda gera custos, que eventos custam, que turnês precisam de apoio e que é importante nos organizarmos de uma forma que todas as pessoas compartilhem as responsabilidades, de fazer tudo isto funcionar sem ser um peso. Mas precisamos fazer isto de forma oposta ao mainstream, pois nós não somos ele e nem nunca seremos. No máximo, se você tentar muito, será uma cópia odiosa de alguma banda que idolatra. Basta olhar ao seu redor, as bandas que tentaram ser grandes, foram usadas, caíram e continuam dependendo do cenário alternativo para se manterem vivas.
Precisamos parar de tratar pessoas que organizam shows, que mantêm espaços, que organizam turnês, como provedores de serviços para nossas bandas. Devemos parar imediatamente de copiar o mainstream.
A pessoa que organiza um show, na maioria das vezes, também tem uma banda, também compra discos, camisetas, ela é tudo em um espiral que se chama DIY. Vamos parar de colocar nossas bandas como a ultima bolacha do pacote, ela não é.
Passou a hora de pararmos de competir e estimular competições, não há o melhor disco do ano, o melhor clip, não há a banda mais tocada do ano na plataforma mais excludente de streaming do momento. Nossa visão é limitada e só conhecemos as bandas que estão ao alcance das nossas telinhas azuis. Existe muita banda, assim como as nossas bandas foram ou ainda são desconhecidas para a grande maioria das pessoas e elas não estão nesta busca pelo primeiro lugar que cegamente buscamos alcançar.
Vamos construir uma realidade onde possamos nos apoiar mutuamente em nossas turnês, em nossos shows, em nossas banquinhas, em nossas mídias. Quer tocar em uma cidade e precisa de ajuda? Converse com pessoas que fazem isto na tal cidade, pergunte o que ela precisa, ajude, converse, construa junto com ela. Não espere o dia do show para decidir ficar em casa, pois o show não foi bem organizado (ou pelo menos não da forma como você gostaria que fosse e nem se mexeu para ser). Não espere o equipamento dos sonhos nos locais, somos um país onde tudo isto é muito caro e sim, a grande maioria das pessoas que se atrevem a organizar shows, turnês, são trabalhadoras e trabalhadores, que batem cartão, e que depois do expediente estão organizando estas coisas por amor, POR AMOR!
Sim, sabemos, amor não enche tanque de combustivel…mas cooperação pode fazer isto acontecer, e não há cooperação sem amor a aquilo que se envolve.
Uma boa parte de nós está em todos os lugares desta cena alternativa que insistem em segmentar. Temos bandas, organizamos shows, turnês, gravamos discos, e sabemos o quanto é difícil manter todas estas coisas… mas, mais difícil é viver neste sistema opressor e continuamos insistindo, acordando cedo, comendo mal, sem tempo para viver, sem tempo para amar e muito menos ser amado.
É importante analisarmos o que queremos: estar na cena alternativa e agir como parte dela ou estar na cena alternativa usando ela. Se sua resposta for a primeira, vamos construir juntos algo forte e verdadeiro, onde se um tomar prejuízo, todos vão tomar, mas dividiremos também a alegria e a satisfação de termos conseguido juntos fazer algo bom para todas as pessoas. Se a resposta for a segunda, nossos caminhos são opostos, inclusive na vida e quando nos cruzarmos, será de lado opostos das barricadas da vida.
Seguiremos fazendo da forma que nossos corações e nossa politica nos ensinou, tendo equipamentos que podem falhar, mantendo espaços fedidos, lançando discos que encalham de bandas que amamos, dirigindo quilômetros por dia para uma cidade distante, em palcos baixos ou sem palco algum, seremos nós e nossos comparsas que organizaremos turnês, shows e é com estes mesmos que estaremos lutando por uma vida mais justa e livre.
Que essa rede Faça Você Mesma nos traga mais e mais inspiração e força. Que nossos protestos e nossos instrumentos possam expressar nossa indignação e construir uma comunidade musical e anárquica cada vez mais real… Para que ela seja parte de nós ou nos DESTRUA.
No gods No masters ???